
Ciência Hoje, 2011-07-13
Por Susana Lage (texto e foto)
"Para cuidar do paciente o médico tem de entrar no mundo narrativo"
Todos gostávamos de ter uma médica como Rita Charon. Calma, compreensiva, interessada e boa ouvinte. Para ela, um bom médico tem de saber construir narrativas coerentes a partir da história que cada doente leva consigo para as consultas. “Trata-se de saber ouvir com habilidade, tendo o cuidado de ser uma testemunha de suporte e de estar presente em toda a experiência”.
De passagem por Lisboa para a conferência ‘On the Narrative Medicine Program’, que decorreu na terça-feira no Centro de Saúde de Sete Rios, em Lisboa, a médica explicou ao Ciência Hoje a importância de integrar a arte de escrever histórias na prática médica.
A medicina moderna incita os clínicos a distanciarem-se dos seus doentes e a privilegiarem os aspectos técnicos. Foi para contrariar esta tendência que Rita Charon começou a desenvolver a ideia da medicina narrativa.
“Trata-se de uma prática de cuidados de saúde reforçada com as capacidades de ouvir, compreender, interpretar, honrar as histórias complicadas que são contadas na doença pelo paciente, pelo seu corpo, familiares, outros médicos e enfermeiras”, descreve.
Assim, a medicina narrativa lembra ao médico que, quando uma pessoa o procura, está frágil, preocupada e, muitas vezes, deprimida. Ouvi-la com verdadeiro interesse talvez seja o que esse paciente mais precisa no momento.
Num ambiente hospitalar ou clínico muitos médicos podem dizer que não têm tempo para realmente ouvir o que os pacientes têm a dizer. Rita Charon diz que isto acontece porque os profissionais não sabem como fazê-lo. “Não basta que uma pessoa fale e a outra esteja simplesmente à sua frente. Ouvir com perícia é um procedimento muito activo e cansativo também”. Se os médicos não souberem “extrair as evidências do problema que o paciente expõe, a informação e o tempo são desperdiçados”. Uma vez que tenham a capacidade de ouvir e extrair as evidências, os médicos tornam-se mais rápidos.
Melhorar a relação
Rita Charon desenvolveu um curso de competência narrativa com o objectivo de treinar os alunos de medicina a terem uma melhor empatia com os pacientes.
“Descobrimos que à medida que fomos avançando com este trabalho, tudo se tornou melhor. Os pacientes sentem-se mais reconhecidos e os médicos sentem mais alegria”, afirma.
O Programa de Medicina Narrativa na Columbia University College of Physicians and Surgeons, EUA, começou a ser desenvolvido em 2000 e este ano passou a ter um mestrado.
"A escrita é uma forma poderosa de aprender o que já se sabe».
Para melhorar a relação médico-paciente, a médica pede aos alunos que mantenham um registo das próprias reacções para cada caso, das tentativas de entender as experiências do paciente e da forma como estes reagem às explicações e informações dadas sobre as doenças. A história é ‘enriquecida’ com o registo das opiniões de familiares, amigos e outros profissionais de saúde.
“Muitas vezes as histórias entre marido e mulher contradizem-se mas, para cuidar da pessoa doente, o médico ou enfermeiro tem se ser capaz de entrar neste mundo narrativo”, afirma Rita Charon. De acordo com a médica, “se um médico tentar cuidar de um paciente sem fazer isto simplesmente falha pois os nossos corpos não são apenas objectos inertes, são onde vivemos e contam-nos muito de nós mesmos. Não podemos ser bons médicos se não soubermos todas as coisas que um corpo pode contar”.
Escrever é descobrir
De acordo com Rita Charon, a medicina narrativa é exemplo de que métodos simples e pouco dispendiosos podem fazer toda a diferença. “Podemos ensinar qualquer pessoa a ler e a escrever. E quando esta começa a escrever sobre a sua prática e os seus pacientes, apercebe-se que a escrita é uma forma poderosa de aprender o que sabe”.
“Escrever é descobrir, por isso treinamos os nossos alunos, que podem ser médicos ou enfermeiras seniores, a representar em palavras situações muito complicadas. Ao equipar profissionais de saúde com ferramentas muito básicas ajudamo-los a desenvolver concentração e reconhecimento naquilo que o paciente está a mostrar”, continua.
Rita Charon procura encaminhar a medicina para uma nova fase onde a exploração científica activa é aproveitada. “Não pretendemos voltar aos tempos antigos, queremos ter a certeza que os benefícios da ciência estão disponíveis e são usados. Se os pacientes não sentirem que têm o apoio, respeito e atenção dos médicos não vão fazer o que lhes é dito por estes. Portanto, se temos o lado brilhante da ciência porque não a usamos? É tempo de restabelecer o contacto com os pacientes e compreender porque têm determinadas acções e sentimentos”, sugere.
Perfil
Rita Charon nasceu em Providence, Rhode Island, nos Estados Unidos da América, em 1949. Filha de pai médico seguiu a mesma profissão depois de trabalhar como professora e activista voluntária no movimento pacifista dos anos 70.
Dá aulas na Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Colômbia desde 1982. Em 1987, foi a primeira médica a receber o Prémio Virginia Kneeland Frantz, para Melhor Médica Mulher do Ano. Em 1997, recebeu o Prémio Nacional de Inovação em Educação Médica, da Sociedade de Medicina Interna Geral. Foi nomeada professora catedrática em 2001, tendo antes concluído um mestrado (1990) e o doutoramento (1999). Em ambos, explorou o papel da literatura na Medicina, que combina o amor que tem pelos dois campos.
Dá aulas na Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Colômbia desde 1982. Em 1987, foi a primeira médica a receber o Prémio Virginia Kneeland Frantz, para Melhor Médica Mulher do Ano. Em 1997, recebeu o Prémio Nacional de Inovação em Educação Médica, da Sociedade de Medicina Interna Geral. Foi nomeada professora catedrática em 2001, tendo antes concluído um mestrado (1990) e o doutoramento (1999). Em ambos, explorou o papel da literatura na Medicina, que combina o amor que tem pelos dois campos.
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